Horror ou Breve Estudo Sobre a Paralisia

| |




(fotos de David Viegas)


Farei um esforço sobrehumano para tentar não metaforizar a linguagem que ficou mais educamente artística, como quando se cria arte a partir da arte - porque a arte contagia-se. NADA ME PREPARAVA PARA AQUILO QUE FUI VER.
Saí do Teatro perturbada.O espectáculo foi óptimo, excedeu qualquer tipo de expectativa, quantas vezes...! Dei por mim de boca aberta por períodos superiores a cinco minutos, dei por mim a dizer "oi?" de admiração, de espanto, de surpresa. E dei por mim no final a bater palmas de pé.
Tenho que decompor isto em partes para explicar porque é que este espectáculo é simplesmente magno.
Uma máquina de bebidas automática, baldes com flores, baldes com esfregonas lá dentro. (Tudo terá mais tarde a sua função, como um fado teatral, um destino irremediável, de onde os actores são ACTORES plenos). De repente a explosão artística do corpo dos actores, a mera raiva transformada em movimento, a inconformidade, o homem animal atirado para fora estando dentro, a bestilidade, combinada com a maior sofisticação e adequação das palavras, uma perfeita leitura subjectivamente objectiva da realidade, o contexto de tese filosófica que se nos é atirada à cara quando se entranha nas (má) organização das nossas vivências quotidianas: POLÍTICA.
O teatro físico no seu apogeu, com óptimos interpretes, simplesmente brilhantes, emanantes cada um da sua luz muito própria, encarnados nas peles que vestiam, foi epicamente belo de se ver.
Depois, os corpos nus, a beleza da expressividade do corpo nu, que se despe e que se molda conforme a vontade da acção do actor. Estes Actores são actores com letra grande porque estes actores agem, estes actores não despejam teoria na aleatoriedade nem roçam o rídiculo: estes actores sabem o que fazem e são francamente bons a fazê-lo. Optam por ele consciente e racionalmente, como no mais puro estado animal. Porque ser animal não é ser um filho da puta...
Despertam emoções a partir dos movimentos, houve momentos de raiva em que partilhei com eles a raiva, momentos em que a raiva se dissipava em dor e em impotência e eu partilhava com eles a paralisia. As palavras são poucas porque não são precisas mais. Cada palavra tem um impacto extremo, casa palavra dita ou lida nesta peça é um punhal afiadíssimo, é uma arma plena. Esta peça não foi feita para que os espectadores se deliciem estecticamente. Esta peça não foi pensada para agradar a muitos espectadores, sequer. Talvez nem tenha sido feita para agradar de todo. E é por isso que é simplesmente MAGNA. Quem adorar o profano, o horrendo, o macabro da modernidade de hoje, que levante o rabo do sofá e a vá ver. Esta peça não é como magia, ela é MAGIA. Ela mexe com a corrente obscura que há em nós e obriga-nos a CONSIDERÁ-LA.
Não acho piada ao drama das causas políticas perdidas, como muita gente acha. Não porque percebo o DRAMA. E acho que quem ri, é besta. É besta das causas políticas que ganham eleições. Esta peça pode ir muito longe.
Esta peça fez-me ver com olhos diferentes o teatro contemporâneo, esta peça mudou algo. As pessoas não sabiam como reagir. Algumas estavam claramente chocadas, com vontade de ir embora, outras estavam divertidas, outras estavam como eu entusiasmadas e expectantes. Algumas estavam quase dentro do espectáculo em si mesmo, como um coro insivísel e silencioso que integrava o espectáculo. Ouvi "Ai credo"'s durante a peça, ouvi interjeições de nojo, de desejo, de desgosto, de incomodo.
Compreendi cada signo, cada mensagem contida na peça e achei simplesmente divinal o final da peça.

Recomendo a todos que a vão ver, far-vos-à extremamente bem, VÃO, SE PUDEREM, e levem quem quiserem...

Está em cena de quarta a sabado às 21:45h e no domingo às 16:15h na sala estúdio do teatro Nacional D.Maria II.

Mais info, aqui

2 comments:

Anonymous said...

Embora com o mesmo título, no mesmo espaço, devemos ter visto espectáculos diferentes. Não concordo, de todo, com a opinião.
Não vi teatro, nem performance, não senti nada mesmo, indiferença total.
Um mau espectáculo e um insulto a milhares de contribuintes que vêm o dinheiro dos seus impostos empregue em fetiches e iluminados sem cérebro.
só vos faz mal, a quem for ver, este espectáculo. gastem o dinheiro em algo verdadeiramente útil.

outros destinos said...

Só as maiores peças de arte são capazes de semear tamanha discórdia!

Post a Comment