"Poesias Caóticas"

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V - (Im)Perfeição: Quando partiste

O coração não se estilhaçou. É forte e soube e sabe amar-Te. Construí um caleidoscópio muito bonito para ti e pu-lo no fundo, com esperança que o visses e o tentasses retirar. Aí, o meu plano era partir o caleidoscópio, como uma brincadeira de crianças, e dar-to, triunfante, ofegante, contente, extasiada, feliz. Mas tu pousaste-o muito cuidadosamente, sem nada dizer. E o peito encheu-se de dúvidas, tantas vezes infelizes, tantas vezes cansativas, mas simples, meras dúvidas, que nunca afectaram o facto de o meu coração estar no fundo desse caleidoscópio. Não era uma ilusão o que viste. Era uma parte. Não afectaram o facto de to ter dado só a ti. Mas eu estava a ser chamada noutro lugar, ou noutro tempo, e tu noutro lugar, ou noutro tempo. E como tinha de me ir embora, e o relógio não andava para trás, andava furiosamente para a frente, cada vez que olhava ele acelerava mais, o danado, o safado, e eu sem saber o que fazer, tentei parti-lo, mas mesmo assim eu sabia que era o tempo, e não o relógio, que estava a andar para a frente, em lapsos titânicos.
Quis saber, antes de partir, antes de me saber partir, antes de me despedir, antes que partisses, porque não procuraste, porque não quiseste vê-lo (ao meu coração). E aí disseste que não o querias. "Eu não quero" - repetiste. E ouvi-te essas palavras. Se magoaram? Não. Na altura o meu coração ainda estava dentro do caleidoscópio que te dei, no caso de quereres espreitar. Só eu posso tirá-lo de lá, e tu só podes espreitar, se o entenderes fazê-lo. Consegui um negócio lucrativo hein? Devia meter-me no negócio de gerir sentimentos.

Mas eu ouvi, claro, falo no presente ainda, apenas porque o tempo está avariado na minha cabeça, vai demorar até o arranjar, preciso de muita mecânica, de muita lógica. Penso muitas vezes se o melhor não seria arrumar tudo a um canto, pegar fogo a tudo, esquecer-me, apagar-me, crescer, tornar-me normal. Mas aí é que está. Somos diferentes. Eu sinto-me bem, eu sou ambiciosa. E eu sei qual é o preço a pagar por me revoltar outra vez, por me apagar... Ou um dia serei eu com problemas no fundo da coluna.
Assim fico com muitas dúvidas: Porque este braço de ferro que faço com os deuses, estarei louca? Porventura acho que posso ganhar? Louca não, insana, orgulhosa, talvez tudo isso não?! Mas faço acordos, negoceio, tudo é um negócio maldito, onde tento comprar alguma felicidade, mudo aqui, mudo ali, amo-me aqui, amo-me ali, chamo-me, invoco-me, e tudo para me esforçar em ter-Te.
Sabendo à partida que não mudarei nada, esforço-me por partilhar estados de espírito contigo, na esperança quase viva de que ainda existe algo, de que ainda queiras espreitar pelo caleidoscópio (apesar de teres virado as costas).
Sinto-te, murmuro-te ao ouvido, questiono-me, será que ouviste? Lamento não ter fugido contigo, sabia essa opção, sabia na altura que isso mudaria, porque não o fiz? Sou ambiciosa de mais ou de menos?
Então, cedo ao calor que sinto dentro de mim invadir-me, a sensação tão agradável que me alimenta nos momentos mais obscuros e uma palavra, uma palavra apenas, tão musical em mim, um feitiço, uma ladaínha, um hino da minha existência, ressoa-me na cabeça e sai-me pela boca, repetida até à loucura do silêncio (e sem resistir, envio-Ta...):
"Leonardo".

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