"Poesias Caóticas"

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II - Viagem ao Futuro: Aterragem

Raiva, desta vez encho os pulmões com raiva.
Raiva de ti e de mim, homem sem rosto, que me enfureces por achares que sabes a totalidade, mesmo sendo essa totalidade tua,
Por muito que saibas e não duvido, o primeiro a dizer "Enquanto assim for será impossível ter uma relação saudável" foste tu, sabes do que falas ou então tens muita sorte e eu muito azar, mas basta fechar os olhos para te saber sincero, basta fechar os olhos para te ver, ponto de focagem, não desfoca, não desfoca porque é uma droga para o espírito, o que senti ali não se repetirá por muitos anos...
Caio no desespero da minha fraqueza, da minha visão, começo a sentir-me a intrusa em terra de intrusos, acho que não fui a sítio nenhum, no entanto, sinto-me a viajar. Complexo, tudo fica complexo, e eu impotente no tear da noite teço os fios do meu próprio futuro com as mãos da desgraça. Tento cortar as mãos mas a faca não têm a lâmina afiada, tento pedir-te ajuda mas a garganta está rouca e para fazê-lo tenho que te contar quantas fezes produzo por dia. Sinto-me impotente, muito. E tento pedir-te ajuda na mesma, mas o pedido, por não te contar acerca das fezes, e ter a voz rouca, sai como uma ordem, uma ordem de uma voz zangada, uma voz de uma intrusa em terra de intrusos, intrusa que não sou eu mas sou eu.
E estou ali no metro dos restauradores, sentada como uma pedinte, alguém diz "é a fome", mas aquilo que eu peço é o mesmo que sempre pedi, não estendo a mão porque quem me pode oferecer não são os homens, mas estender as mãos para o céu, como fazes quando chove, e pedir-lhes algo muito simples: Outros Destinos.
Talvez por falar em chuva as lágrimas escorrem-me pelo rosto e insisto em pedir-te ajuda como alguém que grita em vez de como alguém que chora, e tu numa palavra, consegues fazer-me amar as mãos que tecem o destino por saber-me indiferente a elas, agora que nada tenho a perder, neste ponto o tear ficará bonito como no plano original, e eu nada posso fazer quanto a isso, não pedi para nascer Deusa e no entanto, parece ter acontecido, mas no entanto sou Mulher, e isso estranha-me em mim.
NÃO.
E os pontos finais multiplicam-se, desejosos de acabar com a história inacabável. E eu vejo-a, as suas variações, estamos na Idade Média agora, a nossa paixão, o sítio onde as nossas mentes descansam, pelo menos a minha sim, a menos que não inclua piras de lenha e fogo, a minha descansa.
Há uma fogueira e eu vou ver, talvez por medo.
Em roda da fogueira há um grupo de pessoas, uma delas è um músico, esse músico toca um alaúde, e eu sou chamada, semi incorporo, sinto-o, sinto-o através da música dele, ele nada desconfia, ainda não me vi, e nua, aproximo-me da fogueira e chamo-o. Ele olha-me e vê o reflexo da luz da fogueira nos meus olhos. Vê-os a brilharem, e tudo isso, toda a imagem, o atemoriza, lembra-lhe de coisas que tentou esquecer há muito.
Chamo-o, para aquilo a que chamaria a minha casa, há muitos potes e escuridão, não sei bem que é aquilo, quero fazer amor com ele, quero que ele perceba e veja, quero Despertá-lo, fazê-lo participar nos meus rituais sem saber, mas nada de mau lhe desejo, quero-o ao meu lado, mas antes de poder sentir o que quer que seja, o meu objectivo é Despertá-lo.
Mas ele tem Medo. Medo de mim e de si próprio. Talvez ele seja até mais poderoso que eu, mas eu não tenho Medo de o soltar porque confio em mim, nele, e em tudo, sou confiante porque sim, em ultima análise.
Mas o Medo dele é mais forte e ele foge antes que eu possa e ele possa fazer algo, voltando para os amigos da fogueira, meio inseguro se há-de contar o que viveu ou não.
Sem saber o desfecho da sua decisão, lembro-me da dor de arder na fogueira, no medo irracional a piras, o fumo e o cheiro a carne queimada.
E digo-te, naquele dia, no fundo do meu pânico, já não te grito, mas despeço-me, fugirás outra vez, mas voltarás, e segura disso, sem medo, contínuo a admirar-te enquanto me vou embora.

Estou no Terreiro do Paço, Destinos de pessoas cruzam-se freneticamente, caminho calmamente com um caderninho na mão, não preciso de ver onde vou, as pernas andam sozinhas, todo o meu corpo sintonizado, seduzo quem passa por mim sem o notar, vejo por vezes e de relance um olhar indiscreto, fruto de uma animalidade lasciva, incontrolável. Atravesso-o, e enquanto o faço há um tremor em mim, um ainda do "eu podia", mas ela diz-me, contínua o teu caminho em paz, Hoje Não Te Cruzarás, Amanhã Não Conseguirás Descruzar.

E despeço-me, de Ti, de Mim, e Daquilo que de nós chegou a ficar Ali quando ainda não me apercebia.

E hoje, já tinha tirado o cinto e saído do avião, quando me lembrei, algo importante, talvez explicar ao comandante do avião que os enjoos que me fizeram vomitar-lhe a maquineta não foram enjoos de voar, mas enjoos de gravidez, e que dali a nove meses iria parir um futuro, se ele quissesse ver, mais tarde enviar-lhe-ia fotos, pedindo-lhe desculpa pelo sucedido, como é óbvio, sem esperar sequer ouvir-lhe a resposta, porque terminada a viagem, pés assentes na terra, eu sigo o meu caminho e ele segue o dele, e os caminhos divergem...


Fim da Viagem Ao Futuro.

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