Lenda de Almaceda - Lendas de Portugal

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Almaceda é uma pequena localidade em Portugal, junto a Castelo Branco. Antigamente, não existia lá nada nem morava lá ninguém: eram terras de dois irmãos, D. Rodrigo e Madalena, orfãos de pai e mãe, que habitavam nas redondezas. Aborrecidos, costumavam fazer correrias a cavalo na sua montada preferida. Certa manhã de Março, num dos passeios habituais, Rodrigo reparou num ponto estranho à paisagem e foi observar mais de perto o que era. Madalena estranhou o atraso do irmão e perguntou-lhe o que observava ele. - "Ali à frente, ao pé daquele arbusto, olha uma caveira!" "Anda daí, vamos cumprimentar a caveira!"
Madalena ficou cheia de medo e quis-se ir embora, mas o irmão, divertido por ver a irmã em aflição, disse "Grande medrosa!Nem pareces minha irmã! Não vês que é só uma caveira que ali está? Que mal te poderá fazer?" ao que Madalena respondeu:
-"Tem respeito! Mas de onde terá vindo?"
- "Ora, do cemitério, veio dar um passeiozinho, estava aborrecida!"
- "Acaba já com isso!"
- "Mas que disparate esse medo todo, são apenas ossos do corpo humano! E já agora, se a pobre saiu do cemitério por estar aborrecida, vou dizer-lhe que moro aqui perto e que me aborreço também. Vou convidá-la para jantar hoje connosco!"
E Madalena, em aflição e com medo, esporeou sem demora o cavalo e partiu a galope para o castelo. Mal tinha Madalena partido a cavalo, ria Rodrigo à gargalhada, e já ouviu uma voz rouca e profunda, vinda não se sabe de onde:
-"Cavaleiro! Não quero de modo algum ser deselegante. Se te diverte, podes ter a certeza de que não faltarei ao teu jantar de hoje...!"
Em aflição, Rodrigo, semi-louco de medo seguiu para um mosteiro que existia lá por perto. Lá, confessou tudo aos frades e pediu redenção a Deus. Os frades, sem saber bem o que fazer, deram-lhe uma cruz; que a pusesse ao peito, isso protege-lo-ia do Diabo... E, reconfortado, pronto para enfrentar o hospede indesejado, regressou ao castelo, onde Madalena o esperava. Advertiu-a de que viria um convidado muito estranho para jantar (Madalena ficou cheinha de medo), mas que agisse em tudo normalmente. E logo se ouviram as pancadas do estranho convidado, que nada mais era que um vulto sem rosto mas com corpo. Convidaram-no a sentar-se a tomar parte no jantar, mas o convidado recusou. "Estou aqui apenas para te levar para minha casa, na Igreja" - disse a Rodrigo, com a mesma voz cavernosa. E seguiram ambos para a Igreja, onde o vulto o convidou a entrar para dentro de uma tumba. Rodrigo, intrigado disse "Mas as almas penadas não são enterradas na Igreja" - ao que o vulto lhe respondeu "Palerma, tu e os que me enterraram aqui! Julgaram-me bom em vida mas só Deus sabe de mim e dos meus pecados, e por isso me condenou! E como troçaste de mim agora vais descer para saber como se janta nos meus domínios!" Rodrigo, já em pânico, diz: "Que Deus me acuda!".
O vulto praguejou e disse: "Se não fosse essa cruz que trazes ao pescoço, obrigava-te a vires comigo!" e depois, a sua voz acalmou-se e disse: " Fui como tu um aventureiro sem escrúpulos e sem respeito pelas coisas sagradas. Foi assim que comecei, zombava de tudo. Que a minha pena te seja um alerta! Cada vez que falares a um corpo sem vida, lembra-te que a alma que o habitou pode necessitar de auxílio. Em vez de escarnecer... reza! Que a tua alma ceda à caridade e compaixão pelos mortos! Que a tua alma ceda à verdade que te digo! Que a tua alma ceda e o orgulho que até hoje demonstraste se transmude em amor aos outros...!"
E dizendo, isto, entrou na tumba, que se fechou, deixando a Igreja em silêncio pesado. E Rodrigo, meio doido daquilo que tinha vivido, saiu a correr da Igreja, até ao castelo, gritando " - Que a tua alma ceda! Que a tua alma ceda!" e durante meses, a única coisa que foi capaz de dizer foi isso mesmo "Queatuaalmacedaqueatuaalmacedaqueatuaalmaceda"
E ao fim de alguns meses, recuperado da experiência, reorganizou a sua vida e distribuiu aquelas terras pelos pobres e pelas pessoas simples, que entretanto lhe passaram a chamar "Almaceda" e mais tarde deram o seu nome à população fundada graças à generosidade daquele fidalgo que os auxiliara.

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